João Gualberto Vasconcellos, Doutor em Sociologia, Professor Emérito da Ufes e um dos fundadores do ES em Ação
O Espírito Santo é um estado de trajetória empreendedora e que tem gerado, através do tempo grandes talentos, muitos exemplos de sucesso. Foi assim nos primeiros tempos da Capitania, quando tivemos os jesuítas que deixaram um grande legado arquitetônico, construído graças aos grandes empreendimentos agrícolas que aqui mantiveram. As fazendas Muribequa na fronteira do Estado do Rio de Janeiro e Araçatiba na região onde é hoje Viana, eram as maiores do litoral brasileiro no início da colonização lusitana.
Mais tarde, ainda na época do Império a partir da segunda metade do século XIX, nos tornamos grande produtor nacional de café, a maior riqueza agrícola daqueles tempos. Ingressamos na era republicana com grandes fazendas produtoras de café no Vale do Rio Itapemirim e no do Rio Itabapoana. Vivemos uma fase de grandes progressos e nossos dirigentes como Jerônimo Monteiro e Florentino Avidos remodelaram nossas cidades, além de construíram o Porto de Vitória e um sistema ferroviário que alimentou nossa vocação logística. Os grandes fazendeiros do café, nossos coronéis, eram modernos gestão de seus negócios. Fomos o terceiro maior produtor nacional no ciclo da cafeicultura.
Mas os tempos do café acabaram com sua erradicação nos anos 1960. Daí tivemos uma grande crise. É no contexto da superação desse momento de grandes dificuldades que surgem os personagens que hoje homenageamos, e que seguiram nossa tradição empreendedora histórica. Já que falamos na superação da crise do café, vamos lembrar de Jônice Tristão. Produzíamos um café arábica de baixa qualidade. O governo nacional financiou sua erradicação. Pagava-se por café extraído do chão. Assim, extraímos não só cafezais, mas toda a economia capixaba, deixando milhares de pessoas ao desalento.
Um movimento de reação começou a se esboçar na região norte do estado, para substituir o café arábica pelo conillon, então chamado de robusta. A grande questão para aqueles anos heroicos no início da década de 1970 era o mercado. Onde o novo tipo de café seria vendido. Nossos compradores agora seriam outros. Aí é que entra um empreendimento chave na história de superação daqueles tempos. A Realcafé solúvel, que passou a ser a grande compradora desse novo tipo de produto. Ou seja, a indústria que em 1971, em um dos momentos mais delicados da nossa história, mudou os seus rumos. O poder público e um grande empreendedor conseguiram vislumbrar uma saída. Criou-se o chamado jogo de soma positiva, onde todos ganham: cafeicultores, governo e sociedade. Tanto é assim que hoje situa-se entre as empresas mais sólidas da economia capixaba, e uma das maiores indústrias de café do mundo.
Evidentemente que a vida empresarial do Grupo Tristão não se resume apenas esse empreendimento. São grandes exportadores, e operam uma rede ampla de negócios, tendo sido o maior exportador brasileiro de café por dez anos consecutivos. Mas, essa contribuição fundamental do espírito empreendedor de Jônice Tristão foi tão fundamental na história da nossa superação da enorme crise que se abateu sobre o Espírito Santo do café, que só isso é bastante para transformá-lo em um gigante.
Senador da República, teve atuação decisiva na nossa história política e econômica, comprovando sua vocação para grande líder empresarial. Não pensou apenas em seus negócios – no qual foi um vencedor – mas pensou no conjunto da sociedade. Daí o seu grande valor, daí nossa homenagem.
Quando estávamos nessa fase, em busca de uma vocação econômica em nosso estado, eis que surge, a partir de um convite feito por um dos grandes formuladores de soluções para a crise capixaba que foi Eliezer Batista, um outro gigante: Erling Lorentzen. Nascido na Noruega tinha atividades empresariais no Brasil desde os anos 1950. Partiu dos negócios familiares ligados à marinha mercante para a distribuição de distribuição de gás em nosso país. Convencido de que a produção de celulose de eucaliptos seria uma boa oportunidade enfrentou o desafio de criar a Aracruz Celulose. A empresa foi fundada em 1972.
Partindo do nada criou os plantios de eucalipto sobretudo no norte do estado e no sul da Bahia, organizou a rede logística para abastecer a fábrica e fez tudo isso para colocar um funcionamento em 1978 da primeira unidade industrial da empresa. Tudo surgiu desse grande espírito empreendedor e sua enorme capacidade de liderança. Capacidade que se anunciou na sua juventude quando combateu ainda muito jovem o exército nazista que havia invadido o seu país, e que se aperfeiçoou nos estudos que fez na conceituada universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
O empreendimento não foi só um sucesso econômico. Ela foi a única empresa do setor florestal no mundo a estar na lista de empresas do Indice Dow Jones de Sustentabilidade da Bolsa de Valores de Nova York já em 2008. Foi destaque pelas melhores práticas de sustentabilidade corporativa do mundo. Ou seja, foi desde sempre uma empresa capaz de criar valor para os acionistas no longo prazo pela capacidade de gerenciar associados a fatores econômicos, ambientais e socais. Nesse aspecto o senhor Lorentzen foi sempre um homem a frente do seu tempo. Trabalhava desde os anos 1970 com os modernos conceitos de sustentabilidade. A forma como organizou a Aracruz Celulose e a forma como ela colaborou de forma gigantesca para o sucesso de nossa industrialização recente. Para o salto de demos há cerca de 50 anos para a modernidade em nosso estado.
Outro grande empreendedor desses tempos foi Carlos Fernando Lindenberg Filho, o Cariê. Herdeiro de um jornal como convencionalmente se faziam a imprensa até os anos 1960, foi progressivamente construindo uma moderna rede de comunicação. Começou pela modernização gráfica e editorial de A Gazeta. Foi dando um novo formato, criando novas editorias. Nada de textos políticos panfletários, nada de jornal cor de um só partido político. Mas, o grande momento veio com a TV Gazeta em 1976. Afilada da Rede Globo, era naquele momento a expressão da modernidade em termos de comunicação. E Cariê se comportou como homem de comunicação, com um olhar sobre o futuro. Comunicando com isenção. Acreditamos que a Rede Gazeta, por seu perfil de isenção, por sua forma moderna de se comportar no mercado, foi um dos fomentos da modernidade capixaba.
Cariê, o grande timoneiro dessa viagem, nunca se comportou de forma mesquinha. Com espírito de grandeza e firmeza de caráter. Como músico e poeta, como amante sobretudo da Bossa Nova, foi um homem de seu tempo. Um empreendedor com veia criativa. Homenagear o Cariê hoje é um ato de justiça. Por seu caráter, por sua sensibilidade e por seu compromisso com a verdade.
O Comendador Camilo Cola iniciou seus negócios logo depois da II Grande Guerra. Foi pracinha, lutou na Itália. Voltou de lá e começou logo no pós-guerra seus negócios. Filho de Castelo iniciou suas operações de forma modesta, com pequena quantidade de ônibus e alguns sócios no início, tendo iniciado as atividades da Viação Itapemirim em 1953. Mas, foi na arrancada dos anos 1960 que consolidou a maiores empresas brasileiras de transporte de passageiros, tendo mesmo transferido a sede de seus negócios para São Paulo. Mas Cachoeiro de Itapemirim sempre teve centralidade no negócio, onde sempre se fez a manutenção da frota e o treinamento da equipe.
A partir da década de 1960 a Itapemirim passa a atender outros estados da federação. Mesmo na região sul do Espírito Santo, vai paulatinamente substituindo as ferrovias que vão envelhecendo. Com sua frota de veículos da Mercedez-Benz de cor amarela passa a atender longos percursos como o Rio de Janeiro em trechos totalmente asfaltados. Nos anos 1970 os negócios da Itapemirim se expandem para o sul do país e passam a lidar também com turismo, agropecuária e mineração. Nos anos 1980 os negócios abrangiam 30 empresas e geravam cerca de 20 mil empregos.
Sua visão de futuro no campo dos negócios pode se facilmente observada pela integração que promoveu. Foi pioneiro na criação de uma agência de viagens, que teve uma rede nacional, e que promovia não apenas a venda de passagens da frota da Itapemirim, como também de passagens aéreas e pacotes turísticos integrados. Outro ponto importante foi o aproveitamento dessa gigantesca frota para a criação de uma empresa de transporte de cargas. Seu diferencial competitivo foi justamente a capilaridade que tinha, e a capacidade de dar velocidade a entrega de pequenas cargas, já que transportes esses pacotes nos próprios maleiros dos ônibus. Assim, criou uma espécie de pool de negócios, integrados. Foi um sucesso em seu tempo. Sua visão de futuro foi inequívoca.
Camilo Cola também contribuiu com nossa vida política. Foi eleito em 2006 deputado federal, mantendo-se no cargo – como titular ou suplente –até 2015. Foi presidente da Confederação Nacional de Transportes. Empreendedor arrojado, montou uma das maiores empresas de transportes de passageiros do mundo. No momento em que o Brasil modernizava suas rodovias, asfaltadas por todo lado, e abandonava o modal ferroviário, o grande líder e empreendedor visualizou oportunidades e as aproveitou.
Nosso último tema é a educação, é a qualificação, é a necessidade de formarmos gestores e analistas para o processo de desenvolvimento econômico e social que foi disparado a partir dos anos 1960, mas que foi amadurecido de forma especial nos anos 1970 no Espírito Santo. Por isso vamos tocar nessa questão agora, porque sem qualificar devidamente nossa força de trabalho, iriamos esbarrar nesse limite humana. Mas, é importante registrar que deixamos para o fim também essa homenagem porque ela é especial, ela é feminina, afinal não foram só os homens que alavancaram nosso desenvolvimento.
A Senhora Waldeth Nunes Theodoro, uma das fundadoras – juntamente com o seu marido – no ano de 1972 da Faesa, uma instituição que causa orgulho nos capixabas. Inicialmente foi lançado um curso de administração e que depois foi se expandindo até ser transformado em um centro universitário grande e moderno. Com mais de 75 mil profissionais formados, muito contribuiu para essa fase de construção do Espírito Santo moderno a que estamos nos referindo. A pesquisa e a extensão são os pilares de sustentação da excelência da instituição e da projeção internacional que suas pesquisas adquiriram. Outro diferencial importante é o seu Movimento de Inovação e empreendedorismo, que vem fazendo o elo entre o saber científico e as exigências de um mercado cada vez mais complexo.
A professora Waldeth Nunes Theodoro foi uma mulher à frente do seu tempo, tendo dedicado sua vida à educação. Teve uma carreira toda voltada para o ensino. Carreira iniciada como regente de classe em uma escola pública e passando por vários estabelecimentos de ensino em Vitória, onde deixou sua marca de dedicação e força intelectual. Fundadora da instituição, foi sua chanceler dedicando seu tempo e melhor, a criação e a expansão e consolidação de um Centro Universitário que muito nos orgulha.
Como mãe criou os filhos que hoje administram a Faesa, dedicando a formação de caráter deles também o seu talento educacional também como mãe. Cada um desses empreendedores, ao seu jeito e com suas qualidades e esforços, contribuiu para esse estado extraordinário em que vivemos. Um lugar de progresso. Um lugar empreendedor. Homenageá-los é a nossa forma de compreender que o sucesso deles também é o sucesso capixaba. Somos um estado diferente, com progresso e capacidade empreendedora.
[1] O autor é Doutor em Sociologia e Professor Emérito da Ufes. Como conselheiro do ES em Ação preparou esta homenagem para o Encontro do Ibef-ES 2021, em parceria com o ES em Ação. O texto foi narrado pela economista chefe do banco Santander, Ana Paula Vescovi, ex-secretária Estadual da Fazenda do ES.
Veja vídeo da homenagem.